domingo, 24 de abril de 2011

"Crátilo"

Origem. Início. Germe. Criação. Em minhas aulas de Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Língua Portuguesa, impossível não conhecer o porquê de a disciplina ter permanecido séculos nas escolas sob o domínio da razão analítica. Está em "Crátilo".

1.1. Quem é Gramática? ("A aventura semiológica", de Roland Barthes)

a. Filologia, a virgem sábia, é prometida a Mercúrio; recebe como presente de núpcias as sete artes liberais, sendo cada uma apresentada com os seus símbolos, sua roupagem, sua linguagem. Grammatica, uma das artes liberais, é uma senhora de idade que viveu na Ática e usa trajes romanos; num cofrinho de marfim, guarda uma faca e uma lima para corrigir os erros das crianças.
1.2. A palavra e os gregos ("A vertente grega da gramática tradicional", de Maria Helena de Moura Neves)

a. Desde Homero, autor de Ilíada, aparecia em seus heróis a retórica; mas, à medida que se formava a polis grega, ao lado da linguagem poética, criava-se a linguagem dos oradores ou a linguagem retórica. Essa linguagem disciplina-se em uma téchne, formal e normativa.

b. Há nesse período duas linguagens: a poética e a retórica. O discurso filosófico surge entre nessa época. Do problema da relação entre as coisas e seu princípio, entre as coisas e que as governa, entre as coisas e sua natureza, especifica-se o discurso filosófico.

c. Tales (624 ou 625-556 ou 558 a. C.): o princípio de todas as coisas é a água. A água é o começo (arché) das coisas. Anaximandro (610-547 a.C.) exige a noção de phýsis. O princípio das coisas apeíron, uma natureza diferente, ilimitada. Heráclito (aprox. 540-470 a.C.) põe em relevo o lógos como articulação das coisas (tà ónta). O lógos pode ser valor ontológico (Razão, inteligência universal, norma universal do Espírito), cosmológico (lei cósmica, fórmula do devir), lógico (lei do pensamento, lei lógica) ou linguístico (discurso, palavra).

d. O lógos é discurso que revela a phýsis.

e. Ao invés de designar um elemento, Parmênides (530-460 a.C) designa o ser. O ser é dito uno, eterno, imóvel, compacto, pleno, contínuo. Ser e pensar são o mesmo. Ser e pensar é unidade. O que era princípio para os outros, para Parmênides é simplesmente o ser. Não há mais um princípio único na explicação do mundo.

f. Empédocles (490-435 a. C.) e Anaxágoras (500-428 a.C), afetados por Parmênides, colocam o ser dito de diferente maneira pelos homens. Ser e linguagem se separam. Lógos e a coisa se separam.

1.3. Os sofistas

a. Há diferença entre os sofistas, mas existe o comum, que discurso e verdade se identificam, subordinando-se esta àquele.

b. Górgias (483-375): As coisas, exteriores a nós, são objeto dos diversos sentidos e, assim, o discurso não pode exprimi-las. O discurso não é as coisas reais e existentes. A linguagem é um instrumento pelo qual se exerce a sugestão e a persuasão. A linguagem conduz a si mesma.

c. Se devem persuadir, as palavras devem ser bem compostas, bem soantes e bem aplicadas. Nesse sentido, desenvolvem-se as pesquisas de Protágoras e de Hípias. Pródico também é sofista preocupado também com a justeza dos nomes.

c. Protágoras é quem nos oferece amostras de observações de algum valor gramatical. Ele fala de formas diferentes de frases. Ele deixa um legado, a distinção do gênero dos nomes são dados que ficam para uma futura sistematização gramatical embora a atenção dos sofistas à linguagem fosse retórica.

d. Os sofistas não dão atenção à análise das frases, à consideração dos seus membros ou da relação entre eles.

1.4. A palavra segundo Platão

a. Para Platão, a linguagem conduz a alguma coisa que não ela mesma. A palavra deixa de ser entendida como instrumento de persuasão para ser vista na sua função de palavra de verdade, que é uma condição da dialética.

b. Posta a verdade na relação entre linguagem e as coisas, fica implicada uma dissociação que permitirá colocar a linguagem como objeto de investigação. É ele quem apresenta pela primeira vez a linguagem como objeto de estudo. Lógos e ónoma se separam.

c. Na obra Crátilo, o nome é um instrumento para informar a respeito das coisas e para separá-las.

d. Existe nas coisas uma essência permanente, que não depende de nós ou de nosso modo de vê-las. Há, pois, um eîdos, uma ideia das coisas. As ações se realizam segundo sua própria natureza, não conforme nossa opinião. Existe um eîdos do nome, uma ideia do nome, ou seja, o nome é uma imagem de eîdos.

e. A justeza de nome depende sempre de uma techne. Techne é fazer conforme a natureza, é o fazer de acordo com o eîdos. O nome é um instrumento, o órganon dessa arte, e, semelhante aos instrumentos das outras artes, como as artes de cortar, de tecer e de furar, ele está a serviço da essência (eîdos) e tem dupla função: instruir e distinguir. Toda competência técnica depende de uma phýsis, e o artífice deve operar segundo os imperativos da natureza, não segundo sua fantasia.

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