terça-feira, 31 de maio de 2011

A interpretação

Não quero no trabalho generalidades. Quero, isso sim, especificações, ou seja, quero signos linguísticos importantes pensados na narrativa de "O Pequeno Príncipe".

O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry


- Não soube compreender coisa alguma! Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras. Ela exalava perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la abandonado. Deveria ter percebido sua ternura por trás daquelas tolas mentiras. As flores são tão contraditórias! Mas eu era jovem demais para amá-la. (p. 31)

(...)

- É claro que eu te amo – disse-lhe a flor. – Foi minha culpa não perceberes isso. Mas não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga essa redoma, não preciso mais dela.
(p. 34)

Primeiro planeta é o rei; o segundo, o vaidoso, que só ouve elogios e só deseja ser admirado em um planeta em que ele é também solitário; o terceiro planeta é habitado por um bêbado, que bebe para esquecer a vergonha de beber; quarto planeta, o empresário, sujeito sério que não se preocupa com futilidade. Ele não tem tempo para passear, mas tem tempo para contar estrelas, essas coisinhas douradas que fazem sonhar os preguiçosos. Ele não tem tempo para divagações, é sujeito sério que gosta de exatidão. Ele possui as estrelas, mas o empresário não é útil às estrelas (p. 47); o quinto planeta, o menor de todos, é do acendedor, que segue o regulamento de acender e de apagar o lampião, além de ser o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio; o sexto planeta é de um velho geógrafo, que desconhece o seu próprio planeta, mas é geógrafo, e o geógrafo nunca anota flores porque elas são efêmeras, ou seja, “ameaçada de desaparecer em breve”; o sétimo planeta, a Terra.

Na Terra, a raposa afirma que cativar é “criar laços” (p. 66). Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti único no mundo.

- Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...

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A ficção ou o literário

1.Aula”, de Roland Barthes

P.12: “(...) Não vemos o poder que reside na língua, porque esquecemos que toda língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva”, isto é, aperta, comprime, retém, faz parar.

P. 13: “(...), sou obrigado a escolher sempre entre o masculino e o feminino, o neutro e o complexo me são proibidos (...). (...), a língua implica uma relação fatal de alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: (...)”.

P. 16: “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, (...), eu a chamo, quanto a mim: literatura.

P.17: “(...) é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o teatro.” A literatura, segundo Roland Barthes, encena a linguagem, dramatiza-a.

P.35: “(...) O Texto contém nele a força de fugir infinitamente da palavra gregária (aquela que se agrega), (...) ele empurra para outro lugar, um lugar inclassificado, atópico, por assim dizer, longe dos topoi da cultura politizada, (...).”

2.A Experiência Interior”, de Georges Bataille.

Parte I – Crítica da servidão dogmática (e do misticismo)

P. 11: Entendo por experiência interior aquilo que geralmente chamam de experiência mística: os estados de êxtase, de arrebatamento, pelo menos de emoção meditada (...).

3. De espaço literário”, de Maurice Blanchot.

P. 34: “Linguagem ordinária que nos dá a ilusão, a segurança do imediato, o qual, contudo, nada é senão o rotineiro.”

P. 35: “A fala em estado bruto “relaciona-se com a realidade das coisas”. “Narrar, ensinar, até descrever”, dá-nos as coisas na própria presença delas, “representa-as”. A fala essencial distancia-as, fá-las desaparecer; ela é sempre alusiva, sugestiva, evocativa.”

P. 35: “Na fala bruta ou imediata, a linguagem cala-se como linguagem, mas nela os seres falam e, em consequência do uso que é o seu destino, porque serve, em primeiro lugar, para nos relacionarmos com os objetos, porque é uma ferramenta num mundo de ferramentas onde o que fala é a utilidade, o valor de uso, nela os seres falam como valores, assumem a aparência estável de objetos existentes um por um e que se atribuem a certeza do imutável.”

4. “Deleuze, a arte e a filosofia”, de Roberto Machado

P. 206: “(...) o valor da linguagem literária – que tem como material as palavras e suas relações – diz respeito ao novo, ao inesperado, à mutação, à invenção.” Dessa forma, a literatura desestabiliza porque os belos livros são escritos em “língua estrangeira”.

P. 207: “‘Cada escritor está obrigado a criar a sua língua, como cada violinista está obrigado a criar o seu som’.” A literatura foge ao sistema dominante.

P. 208: Tipos particulares e tipos originais. Os particulares obedecem às leis gerais da sociedade e, em suas frases, obedecem às leis gerais de sua língua. Os originais revelam as imperfeições das leis, a mediocridade das criaturas particulares. A literatura resiste à servidão, à infâmia, ao presente. A literatura cria linhas de fuga.

“O Pequeno Príncipe”, guardas as devidas comparações com literaturas que desestabilizam, narra a estória de um saber que escapa do senso comum, do reconhecimento, criando novas possibilidades, novas formas de existência [interior].

terça-feira, 3 de maio de 2011

Oposto a Platão

O germe da gramática encontra-se em "Crátilo", obra de Platão. Neste blogue, deixei trechos do livro de Maria Helena sobre o pensamento desse filósofo grego.

Depois, em sala, compreendemos a crítica de Mikhail Bakhtin à gramática. Oposto a Platão, Bakhtin destaca a importância do outro (o ouvinte) na comunicação verbal. Agora, a fim de compreender ainda mais a importân
cia do outro, destaco partes de livros do pensador Maurice Merleau-Ponty.

Livro 1
: “Os Pensadores – Vida e Obra de Maurice Merleau-Ponty”, editora Abril

1. O pensamento ocidental, “pensamento de sobrevoo”, procura dominar e controlar totalmente a si mesmo e estender a dominação e o controle à realidade exterior. A dicotomia sujeito-objeto, inaugurada pela metafísica de Descartes.

2. Para a ciência, a linguagem se reduz à emissão de sons, objetos de uma ciência natural, a acústica. Assim, a linguagem se reduz a um sistema convencional e econômico de sinais que permitem aos homens uma certa coexistência.

3. A palavra é criação de sentido. A linguagem não “veste” ideias – encarna significações, estabelece a mediação entre o eu e o outro e sedimenta os significados que constituem uma cultura. A palavra é a modulação de uma certa maneira de existir, que é originariamente sensível. (...) “A única maneira para compreender a linguagem é instalar-se nela e exercê-la” (Signos).

4. Na linguagem, o significado sempre ultrapassa o significante, e este sempre engendra novas significações, de sorte que entre significado e significante nunca existe equilíbrio, mas ultrapassamento de um pelo outro graças ao outro. Esse ultrapassamento é o sentido.

5. “A linguagem é, pois, este aparelho singular que, como nosso corpo, nos dá mais do que pusemos nela, seja porque aprendemos nossos próprios pensamentos quando falamos, seja porque os aprendemos quando escutamos os outros. Quando escuto ou leio, as palavras não vêm sempre tocar significações preexistentes em mim. Têm o poder de lançar-me fora de meus pensamentos, criam no meu universo privado cesuras por onde outros pensamentos podem irromper”.

Livro 2: “Signo”, de Maurice Merleau-Ponty, editora Martins Fontes

1. Pensamento e palavra contam um com o outro. Substituem-se continuamente um ao outro. Revezam-se, estimulam-se reciprocamente. Todo pensamento vem das palavras e volta para elas, toda palavra nasceu nos pensamentos e acaba neles. (pg. 17)

2. Quando falamos, não pensamos a linguagem como a pensa um lingüista, nem quer pensamos nela, pensamos no que dizemos. (Pg. 17)

3. Muito mais do que um meio, a linguagem é algo como um ser, e é por isso que consegue tão bem tornar alguém presente para nós: a palavra de um amigo no telefone nos dá ele próprio, como se estivesse inteiro nessa maneira de interpelar e de despedir-se, de começar e terminar as frases, de caminhar pelas coisas não-ditas. (Pg. 43)

4. O sentido é o movimento total da palavra, e é por isso que nosso pensamento demora-se na linguagem. (Pg. 43)

5. Ver é, por princípio, ver mais do que se vê, é ter acesso a um ser de latência. O invisível é o relevo e a profundidade do visível. (Pg. 21)

Livro 3: “Fenomenologia da Percepção”, de Maurice Merleau-Ponty, editora Martins Fontes.

I. Capítulo IV: O Corpo como Expressão e a Fala (página 237)

1. P. 243. (...), existe uma retomada do pensamento do outro através da fala, uma reflexão no outro, um poder de pensar segundo o outro que enriquece nossos pensamentos próprios.

2. P. 247. (...); na realidade, eles [fala e pensamento] estão envolvidos um no outro, o sentido está enraizado na fala, e a fala é a existência exterior do sentido. Não poderemos mais admitir, como comumente se faz, que a fala seja um simples meio de fixação, ou ainda o invólucro e a vestimenta do pensamento.

3. P. 247. É preciso que, de uma maneira ou de outra, a palavra e a fala deixem de ser uma maneira de designar o objeto ou o pensamento para se tornarem a presença desse pensamento no mundo sensível e, não sua vestimenta, mas seu emblema ou seu corpo.

4. P. 266. A partir do momento em que o homem se serve da linguagem para estabelecer uma relação viva consigo mesmo ou com seus semelhantes, a linguagem não é mais um instrumento, não é mais um meio, ela é uma manifestação, uma revelação do ser íntimo e do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes.

4. P. 247. Doentes podem ler um texto “com ritmo”, sem todavia compreendê-lo. Isso ocorre então porque a fala ou as palavras trazem uma primeira camada de significação que lhe é aderente e que oferece o pensamento enquanto estilo, enquanto valor afetivo, enquanto mímica existencial antes que como enunciado conceitual. P. 248. Descobrimos aqui, sob a significação conceitual das falas, uma significação existencial que não é apenas traduzida por elas, mas que as habita e é inseparável delas. (...), ela [a operação de expressão] faz a significação existir como uma coisa no próprio coração do texto, ela a faz viver em um organismo de palavras, (...). Essa potência da expressão é bem conhecida na arte (...). A expressão estética (...) arranca os próprios signos de sua existência empírica e os arrebata para um outro mundo. P. 249. (...) a operação expressiva realiza ou efetua a significação (...). O mesmo acontece, malgrado a aparência, com a expressão dos pensamentos pela fala.

5. P. 249. A fala é um verdadeiro gesto e contém seu sentido (...). Não é com “representações” ou com um pensamento que em primeiro lugar eu comunico, mas com um sujeito falante, com um certo estilo de ser e com o “mundo” que ele visa. Assim como a intenção significativa que pôs em movimento a fala do outro não é um pensamento explícito, mas uma certa carência que procura preencher-se, da mesma maneira a retomada dessa intenção por mim não é uma operação de meu pensamento, mas uma operação sincrônica de minha própria existência, uma transformação de meu ser. (...) Para todas essas falas banais, possuímos em nós mesmos significações já formadas. Elas só suscitam em nós pensamentos secundários; estes, por sua vez, traduzem-se em outras falas que não exigem de nós nenhum esforço verdadeiro de expressão e não exigirão de nossos ouvintes nenhum esforço de compreensão. (...). O mundo lingüístico e intersubjetivo não nos espanta mais, nós não o distinguimos mais do próprio mundo, e é no interior de um mundo já falado e falante que refletimos.

4. P. 251. A presença do outro. O sentido dos gestos (a fala é gesto) não é dado, mas compreendido, quer dizer, retomado por um ato do espectador. Toda a dificuldade é conceber bem esse ato e não confundi-lo como uma operação de conhecimento. Obtém-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas intenções e os gestos do outro, (...). Tudo se passa como se a intenção do outro habitasse meu corpo ou como se minhas intenções habitassem o seu.

5. P. 266. “A partir do momento em que o homem se serve da linguagem para estabelecer uma relação viva consigo mesmo ou com seus semelhantes, a linguagem não é mais um instrumento, não é mais um meio, ela é uma manifestação, uma revelação do ser íntimo e do elo psíquico que nos une ao mundo e aos nossos semelhantes (...).”

Livro 4: “A prosa do mundo (O fantasma de uma linguagem pura)”, de Maurice Merleau-Ponty, editora Cosac & Naify.

1. P. 23. Na terra, já se fala há muito tempo, e a maior parte do que se diz passa despercebido. “Uma rosa”, “chove”, “o tempo está bom”, “o homem é mortal”. Esses são, para nós, casos puros de expressão.

2. São casos puros porque não “o tempo está bom” não deixa mais nada a desejar, não contém nada que não se mostre e nos faz passar ao objeto que ela designa.

3. É claro que não há somente frases feitas e que uma língua é capaz de assinalar o que ainda nunca foi visto.

4. P. 28. (...) virtudes secretas da comunicação. Sabem perfeitamente que uma notícia é uma notícia e de nada serve ter pensado com freqüência na morte enquanto não se souber da morte de alguém que se ama.

5. (...) e enfim só compreendo o que já sabia, não me coloco outros problemas senão os que posso resolver.

A ciência e a experiência da expressão

6. P. 32. Quando alguém – autor ou amigo – soube exprimir-se, os signos são imediatamente esquecidos, só permanece o sentido, e a perfeição da linguagem é de fato passar despercebida.

7. P. 33. [O ato estético da leitura]. Mas o livro não me interessaria tanto se me falasse apenas do que conheço. De tudo que eu trazia ele serviu-se para atrair-me para mais além. Graças aos signos sobre os quais o autor e eu concordamos, porque falamos a mesma língua, ele me fez justamente acreditar que estávamos no terreno já comum das significações adquiridas e disponíveis. Ele se instalou no meu mundo. Depois, imperceptivelmente, desviou os signos de seu sentido ordinário, e estes me arrastam como um turbilhão para um outro sentido que vou encontrar.

8. P. 34. Entro na moral de Stendhal pelas palavras de todo mundo, das quais ele se serve, mas essas palavras sofreram em suas mãos uma torção secreta. Máquina infernal, aparelho de criar significações.

9. P. 41. Quando escuto, cabe dizer que não tenho a percepção auditiva dos sons articulados, mas que o discurso se fala dentro de mim; ele me interpela e eu ressoo, ele me envolve e me habita a tal ponto que não sei o que é meu, o que é dele. (...). Falar e compreender não supõem somente o pensamento, mas, de maneira mais essencial e como fundamento do próprio pensamento, o poder de deixar-se desfazer e refazer por um outro atual, por vários outros possíveis e, presumivelmente, por todos. (...) [No rodapé: “Ele é o receptor, isto é, uma germinação de mim no exterior (...)].